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Um Alceu para cada estação

Em turnê com seu show de São João, Alceu Valença ganha biografia, se prepara para ir à Europa e quer levar a paz à guerra da Ucrânia

Por Artur Tavares
21 jun 2023, 09h59

O cantor Alceu Valença lançou no começo de junho um novo registro ao vivo. Meu Querido São João – Ao Vivo na Fundição Progresso foi gravado no ano passado durante a turnê que o pernambucano faz durante as festividades juninas, lançado agora bem a tempo de dançarmos grandes sucessos como “Girassol”, “Sabiá”, “Coração Bobo” e “Táxi Lunar” aos pés da fogueira em uma quermesse.

Dono de um dos repertórios musicais mais ricos da música brasileira, Alceu Valença sempre foi múltiplo. Gravou álbuns solo e outros acompanhados, primeiro de Geraldo Azevedo e depois de Zé Ramalho, Elba Ramalho, de seu guitarrista Paulo Rafael e da Orquestra Ouro Preto; passeou por inúmeros ritmos musicais, da psicodelia à trova, sem nunca ter deixado de lado os ritmos nordestinos – do sertão profundo, de onde ele veio, e do litoral – em mais de 30 discos de estúdio, sem contar outra dezena ao vivo, fora os registros desses novos tempos digitais.

Se no São João Alceu canta xote, xaxado e baião, já há sete anos apresenta no Carnaval paulistano seu bloco Bicho Maluco Beleza, dedicado a ritmos como o frevo e o maracatu. Com a Orquestra Ouro Preto, tem apresentado versões de suas músicas arranjadas para tal formato. O projeto, chamado Valencianas, também ganhou recentemente um novo registro ao vivo. Este, o segundo, foi gravado na Casa da Música do Porto, em Portugal.

Neste final de mês, o autor Julio Moura lança uma biografia sobre o cantor, chamada Pelas Ruas que Andei, em uma parceria entre a Relicário e a Cepe Editora, e a partir de setembro Alceu viaja pela Europa para onze shows na Holanda, Alemanha, Espanha, Portugal, França e Inglaterra.

Mas antes, é claro, Alceu Valença ainda faz seis shows de São João até o final de junho. Desta quinta, 22, até domingo, ele passa por Salvador; Aracaju; Lagarto, no Sergipe; e Campina Grande. No dia 28 se apresenta em São Francisco do Conde, na Bahia, e no dia 30 em Recife.

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Em meio a uma agenda disputada e com uma energia impressionante, Alceu conversou conosco sobre seu sucesso estrondoso, o lançamento de Meu Querido São João e até mesmo propôs-se a acabar com a guerra entre a Ucrânia e a Rússia tocando forró. Confira:

Alceu, estamos no mês das festas juninas e você está lançando uma gravação ao vivo de seu show na Fundição Progresso. O que essa época de São João representa pra você desde sua infância em São Bento do Una até hoje?
Eu tenho diversos tipos de shows. Um só de carnaval, um com repertório junino, outro mais formal, como farei em Nova York. Meu repertório é muito vasto, então consigo adaptá-lo para onde estou indo, e gosto muito disso, sabe?

Então, quando chega a época de São João, Alceu Valença é xote, xaxado e baião. Ele vira aquele menino de São Bento do Una. Esse Alceu é reflexo das quadrilhas que estão na minha memória, as quadrilhas juninas que aconteciam na Fazenda Riachão, que era da minha família, entende?

Essas músicas juninas são reflexos da cultura de sertão profundo, de onde venho. Em São Bento do Una eu ouvia tudo o que o Luiz Gonzaga ouviu. Ou seja, a cultura popular. Então eu ouvia os aboios dos vaqueiros, correndo a cavalo e aboiando, cantando. Eu ouvia o sanfoneiro na feira, os cordelistas, os cordéis. Eu ouvia tudo!

E, além disso tudo, que foi a formação de Luiz Gonzaga, eu ainda ouvia no único alto-falante da cidade a sua própria voz. A voz de Luiz Gonzaga, entende? Na feira ouvia sanfonas de oito baixos, violeiros cordelistas, orquestras de embolada, e no alto-falante ouvia toda noite a voz de Luiz Gonzaga.

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Alceu Valença se apresentando ao vivo na Fundição.
(Karyme França/divulgação)

Você mencionou uma variedade de repertório, e sinto mesmo que hoje existe um Alceu para cada estação do ano. Se São João vem do sertão do Pernambuco, de onde vem o Carnaval?
Aí são os blocos que passavam quando fui morar no litoral, na Rua dos Palmares. Esses blocos de Carnaval passavam em frente à minha casa!

Eram blocos de maracatu, com uma influência de sonoridades africanas, e também dos caboclinhos, com influência indígena. O frevo, dizem, tem origem ligada à europa, e os blocos líricos também têm influência portuguesa. Tudo isso passava em frente de casa. E aí eu sei tudo, me lembro de tudo, e posso cantar tudo o que aconteceu.

Eu também tive uma formação metropolitana, vamos dizer assim. Eu moro há 50 anos no Rio de Janeiro, morei em Paris em 1979, tenho uma relação muito profunda com a poesia de Fernando Pessoa e seus heterônimos todos. Sou ibérico pra caralho, entende?

“Quando chega a época de São João, Alceu Valença é xote, xaxado e baião. Ele vira aquele menino de São Bento do Una”

Alceu Valença

E, hoje em dia, a internet democratizou as línguas do mundo, o forró é uma coisa que é um sucesso. Você ouve forró em Portugal, na Espanha, na França, na Alemanha, na Inglaterra, e até onde? Na Rússia e na Ucrânia! Um dia desses, recebi pela internet uma reportagem sobre meu disco Forró de Todos os Tempos, de 1998, em um jornal na Ucrânia! Quem fez isso? A internet!

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Antes, nós tínhamos a obrigação de sermos anglófonos. Não tenho nada contra, mas eu, por exemplo, sou muito mais ibérico. Respeito, gosto, tem muita coisa boa, mas minha formação é muito mais ibérica. E hoje a internet democratizou isso também.

Em menos de 15 dias, o vídeo de São João já ultrapassou meio milhão de visualizações no YouTube. Assisti a esse show no ano passado e me impressionou o tanto de jovens ali na plateia. Como você vê esses dois fatos relacionados?
Um amigo meu fez uma pesquisa e descobriu que tenho mais de um bilhão de views no YouTube. “La Belle de Jour” e “Girassol” juntas têm 260 milhões. Nossa entrevista é digital? Um cara lá no Japão pode ler, não é verdade? Ou seja, uma maravilha.

Sempre fiz as coisas da maneira que queria. Em determinado momento da minha carreira, fui para uma gravadora que queria que eu fizesse outra coisa, e não fiz. Me tiraram de dentro das programações do rádio, tá bom? Mas não me curvei.

Depois que veio a internet, houve um pipoco desse tamanho, foi muito bom para a música brasileira. Por acaso, em Portugal tem uma rapaziada jovem pra caralho que vai para meus shows lá para poder cantar, entendeste?

E eu acho que as coisas… eu não sou tradicionalista assim, não, sabe? Você pode modificar as coisas.

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Alceu Valença se apresentando ao vivo na Fundição.
(Karyme França/divulgação)

Você passou a planejar sua carreira no meio online?
Nada! Absolutamente nada planejado. A questão é devastante. O que aconteceu? Alguns virais! Um deles aqui na padaria Rio Lisboa, na época das Olimpíadas. Tinha um grupo de músicos de rua, uma menina canadense tocando teclado, um outro francês, e tinha um único brasileiro no violão.

Eu vou passando pela frente da padaria, do outro lado, indo encontrar minha mulher, e de repente eu ouvi o cara tocando “Anunciação” no clarinete. Fui até lá perguntar se todos sabiam tocar a música, e o brasileiro disse que sim. Então cantei junto com eles ali na rua, e alguém gravou, deu viral.

Só que viral é viral. Não adianta. Preste atenção. Se eu sair agora e inventar de cantar na frente de um bar, é uma coisa que não dá. Eu não entendo. Tem uma coisa por trás.

Agora, um cantor inglês que está lá começando… Se for uma coisa planejada, um cara bilionário pode comprar esse bilhão de acessos que eu tenho. Uma coisa nada a ver.

Eu adoro essas plataformas digitais, porque posso ouvir, se eu quiser, uma música de um cantor africano, uma música de Angola. Posso ouvir um árabe, uma música indiana, uma russa, uma francesa, uma americana, uma japonesa, uma chinesa, uma brasileira. Antigamente, vocês tinham que ouvir só as bandas, não é?

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“Porra, que loucura! Vídeo meu com 98 milhões de views. ‘Morena Tropicana’, 80 milhões! Um só! Outro com 260 milhões. Aí tem de 50, 60, 70, de 100 milhões. Uma loucura!”

Alceu Valença

Seu amigo e assessor pessoal, Julio Moura, está lançando uma biografia sua, chamada Pelas ruas que andei. Como ela aconteceu?
Nos conhecemos durante as gravações do meu filme, A Luneta do Tempo. Foi um filme grande que não apareceu nos cinemas por causa do domínio sabe de quem? Do Homem-Aranha. Na hora de colocá-lo no circuito, nenhuma empresa quis passar, nem como uma jóiazinha.

Na época, o Julio fez um livro chamado Por Trás da Luneta, sobre os bastidores do filme. E aí ele passou a andar comigo por qualquer canto, começou a fazer essa parte de marcar entrevista, fazer releases… E, como me conhece há muito tempo, tentou fazer essa biografia.

Ele fez algumas entrevistas comigo, depois entrevistou pessoas, parentes, amigos, pessoas de fora, e fizeram uma pesquisa de coisas, jornais, entrevistas, críticas etc. O livro é maravilhoso. Até agora não li, mas tenho certeza que é maravilhoso. Porque o bicho é competente demais, hein? Sensível.

E o livro é dele, não é meu. Não interferi na história dele. Ele bota do jeito que quiser e pronto. Porque, ao longo do tempo, ele entrou na minha história, porque eu sou muito falador, e eu contava a história de família, a história da minha cidade, da minha relação com o campo, com a música, com os animais, e tudo, tudo, tudo, tudo, tudo…

Alceu Valença se apresentando ao vivo na Fundição.
(Karyme França/divulgação)

Você disse que se beneficiou dos virais online, e não deixo de lembrar das suas fotos com flores presas na barba. Mais ou menos dessa época é seu primeiro disco solo, Molhado de Suor, que completa 50 anos em 2024. Você pretende fazer um apanhado do álbum ou da sua primeira fase da carreira, mais ligada à psicodelia, durante os anos 1970?
Não sei. Você está me dando uma dica. Eu nem pensei nisso, sabe? Posso até tentar. Olha a coisa bacana que você tá me falando! Posso até fazer um show com esse repertório. Posso fazer com a Orquestra Ouro Preto. Nossa, legal isso!

Eles já fizeram algumas músicas dessa época, mas agora você me deu uma ideia. Era pegar o disco e os arranjos que fiz com Walter Blanco. A orquestra poderia fazer as cordas junto com a minha banda, lançar um disco desse… Olha só, puta que pariu, 50 anos! Muito bom, obrigado.

Quantos anos você tem? Como conhece isso?

Faço 36 na semana que vem… Comprei esse álbum quando a Polysom relançou, há alguns anos. Mas eu escrevo… enfim, ouço sua música há muitos anos…
É. Eu já tinha feito 50 anos de carreira porque meu primeiro álbum, em parceria com o Geraldinho [Geraldo Azevedo] foi lançado em 1972. Esse é de 1973?

Deixa eu ver aqui [procuro o disco na estante]… 1974.
É, certíssimo, porque em 1973 eu fiz o filme A Noite do Espantalho. Aí foi logo depois, eu estava sem gravadora, sem nada, quando fiz um show no Recife acompanhado por uma banda chamada Diamante, que era uma banda até de baile.

Um cara que era da Globo Nordeste viu meu show e mandou falar pra João Araújo que era uma coisa. Vim para cá e fiz o disco. Maravilhoso.

Mas, espera… Já tá, é? São João já tá com meio milhão de visualizações?

Já, sim.
Olha lá o que eu fiz! Porra, que loucura! Vídeo meu com 98 milhões de views. “Morena Tropicana”, 80 milhões! Um só! Outro com 260 milhões. Aí tem de 50, 60, 70, de 100 milhões. Uma loucura!

Agora, vamos ver aqui, o forró é que vai levar a paz na guerra da Ucrânia com a Rússia [risos]. Vai ser um forró. Eu vou levar o forró, e aí o povo da Rússia vai dançar coladinho com o povo da Ucrânia. Forró! Todo mundo junto. Pra acabar com a nossa desavença!

Cartaz de divulgação do show de Alceu Valença na Fundição.
(Alceu Valença/arquivo)
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